Caberá aos historiadores da primeira metade do século 21 o mérito de iniciarem uma histografia literária, com base científica, dos esforços dos nossos diplomatas pela reviravolta positiva que se dá atualmente em favor da ocupação de espaços, do aumento do intercâmbio e do aprofundamento de nossas relações com o continente africano – este maciço de saliências e reentrâncias, de grandes paisagens dilaceradas por fraturas, surtos epidêmicos, desigualdades, hostilidades, conflitos, e pobreza crônica – aquinhoado, contudo, de riquezas culturais e humanas, minerais e energéticas, que lhe dão uma perspectiva grandiosa de futuro sob inúmeros aspectos.
Santuários, mesquitas e cabanas se misturam hoje à modernidade de arranha céus, centros comerciais e hotéis cinco estrelas, os quais brotam em praticamente todas as capitais africanas, assim como escolas, casas populares, centros de diversão, estradas, redes de saneamento, hospitais e estádios de impecável conforto. A África de hoje é rica, sentada em vários lençóis de petróleo, diamantes e outras riquezas que lhe abrem crédito em qualquer praça do mundo. Crédito alto, não ninharia. É por isso, também, um continente assediado pelos condomínios hegemônicos euro-americano, chinês, russos e demais asiáticos. Nessa arena de luta sem trégua, um verdadeiro “pega para capar”, sem pai, mãe ou leis definidas, o Itamaraty luta para manter-se presente, para desafiar os grandes e históricos colonizadores e para ocupar espaços vitais que favoreçam o espírito democrático da competição sadia e livre, e, mais ainda, que estimulem o empreendedorismo de nosso empresariado nesse território aberto às regras da economia de mercado. É um novo mundo e devemos trabalhar por ele.
Tudo isso para dizer que fui convocado para nova missão que me levará por um mês ao Gabão, que simboliza, segundo os entendidos, a África em seu estado mais puro. Depois direi algo a respeito desse país. Neste momento, quero apenas afiar a lança e a enxada para penetrar em pensamentos e ressurgir em clareza naquelas bandas imemoriais levando comigo o suor do meu trabalho, a fraternidade de meu povo e o empenho mais dedicado de meu coração.
Paz, saúde e força para todos.
(Raul de Taunay, Brasília, 7 de agosto de 2014)