O Homem é Bom

Existem duas questões filosóficas que estão inextricavelmente ligadas: “como viver bem?” e “como se edifica uma sociedade boa e justa?”. Naturalmente, todas as pessoas buscam o seu próprio bem, contudo, se esse instinto não for controlado, resultará o caos, a barbárie, a lei do mais forte. Por isso, ao longo dos séculos, com a influência de grandes pensadores, a sociedade foi se estruturando para, justamente, escapar desse conflito interminável de todos contra todos, ou cada um por si e Deus por todos, que não funcionou no passado, não funciona no presente e não funcionará no futuro. Com isso, as pessoas abriram mão de conceitos individuais ilimitados e aceitaram a autoridade de um governante, uma assembléia ou um estado que, de um modo ou de outro, acabaram por assegurar o bem estar e a segurança da coletividade.

Pensar que o nosso formigueiro humano pode se desenvolver e se sustentar sem uma espécie de contrato social é como torcer para que a sociedade se desintegre e para que as guerras voltem a dizimar a humanidade. E, não sou eu que digo isto, é Platão, Maquiavel, John Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, dentre tantos outros, que vincularam sempre a legitimidade dos governantes ao consentimento dos cidadãos.

Para mim, desses que mencionei, Rousseau foi o mais positivo, o mais humano, aquele verdadeiramente feito em carne e osso, com inteligência e fraquezas, com visão e abrangência, de longe o mais otimista do estado natural da humanidade. Ao contrário de Hobbes que defendia que a raça humana tenderá a se apunhalar “pelo último biscoito”, Rousseau, o principal clarão do iluminismo francês, apreciava a igualdade entre os seres e julgava o estado natural dos homens como inatamente bom. A sua abordagem, que abriu caminho para importantes filósofos que o sucederam, tais como Burke, Secondat, Bentham, Mill, Marx e Engels, era muito simples: os males da humanidade resultam das estruturas sociais que construímos. Quanto mais perto estivermos de nossa generosa natureza humana, e da natureza terrestre, também generosa, melhor viveremos. Autor do mais influente e destacado trabalho de filosofia política de sua época – “O Contrato Social”, de 1762 – Jean-Jacques Rousseau criticou a injustiça existentes nas estruturas sociais e educacionais, que suprimiriam, segundo ele, a vontade natural e a capacidade dos homens. Para ele, a liberdade é a busca do bem estar pessoal sem considerações nocivas aos outros – até hoje para mim, a vertente filosófica que mais se aproxima do ideário de Jesus de Nazareth, o maior Mestre de todos.

Ou seja, Rousseau defendia que uma sociedade injusta, com excesso de desigualdadese ambições,suprime a liberdade pois torna os homens insatisfeitos, gananciosos, invejosos e cruéis, a lutar por bens desnecessários, impostos por usurários que nos ensinam a querer comprar. Da mesma forma, a sociedade injusta é aquela em que o homem cerca uma fatia de terra e coloca uma placa: “isto é meu”. Em seu “Discurso sobre a Desigualdade”, o maior dos iluministas de sua época alerta contra essa mentalidade uma vez que “os frutos da terra pertencem a todos nós, e a terra não é de ninguém.” Simples assim; tão atual…

Por defender esses ideais, Rousseau desentendeu-se com a maioria das pessoas que o conheciam, inclusive David Hume, um amigo seu, também filósofo, além de atrair desconfianças e ódios entre representantes influentes da sociedade católica, protestante e do governo francês. Acabou fugindo da França, preterido, criticado, repudiado e incompreendido. Depois voltou, indo morrer de hemorragia cerebral num subúrbio do interior francês. Hoje, como todo grande vulto, viu seus restos sendo exumados e colocados no Panthéon de Paris, como grande filho da França, num sinal de que, como costuma ocorrer, a posteridade foi sábia e soube fazer justiça.

Desde meus tempos de escola, até hoje, Rousseau sempre me atraiu por sua capacidade em ser tão humano e compreensivo, tão verdadeiro e justo, tão sincero e otimista. O homem é bom sim, e a natureza que o cerca é generosa. É por aí que devemos seguir…

(Raul de Taunay, Brasília, 20 de janeiro de 2015)

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