Nova Geração, Novas Fronteiras

Em 1974, recém saída do Instituto Rio Branco, minha turma não teve tempo de flanar pelo lago dos cisnes nem de conviver nas cortes luxuosas acostumadas a recepcionar com pompas e clarins as várias gerações de diplomatas que ahaviam antecedido. Fomos logo, de imediato, apanhados a laço e espalhados pelos então denominados “postos de sacrifício” de nossa rede diplomática,com o objetivo de lotar as Missões onde os Embaixadores se encontrassem sozinhos, sem assessoria ou apoio. Desta manobra administrativa, necessária à implantação da então diplomacia “pragmática e responsável” do Chanceler Azeredo da Silveira, ninguém escapou. Todos os meus 17 colegas de turma (sim, éramos apenas 17), então jovens diplomatas, “verdinhos” como veredas, fomos espalhados pelo mundo para ajudar no desbravamento de novas fronteiras, de novas parcerias para a nova e jovem nação brasileira, ainda adolescente, mas cuja musculatura começava a aflorar e, acreditem, a incomodar os grandes lobos da arena internacional. Para nós, era um desafio, para o Brasil, mais um capítulo em sua eterna batalha pela plena independência e autonomia.

Nesse remanejo prematuro, coube-me servir um ano em Luanda, onde tive o privilégio de assessorar e conviver com o então Ministro Ovídio de Andrade Melo, para muitos um diplomata não convencional, considerado pelos conservadores da Casa como um “esquerdista” de carteirinha, mas que, para mim, era antes de tudo um patriota, dotado de inteligência crítica e visão humanista, que se encontrava sozinho a garimpar por oportunidades para um Brasil que não reconhecia seus esforços e sacrifícios, numa terra alvoroçada pela guerra, porém extremamente promissora. Lutava Ovídio, naquele instante, pelo reconhecimento brasileiro à Independência angolana.

Aquele diplomata sozinho representava para mim um Brasil sozinho e sem apoio, tentando ajudar um processo de descolonização, tentando influenciar o mundo europeu antigo, mais inflexível e ganancioso, a ceder a liberdade aos explorados. E Ovídio Melo conseguiu não apenas convencer Azeredo da Silveira e Ítalo Zappa, então chefe da área africana, para os ganhos que adviriam de uma postura corajosa de nossa parte, mas alcançou que fossemos o primeiro país a reconhecer internacionalmente a independência de Angola em 1975.

Foi uma luta dificílima, que exigiria dezenas de páginas para explicar aqui, devido às limitações impostas pela ditadura militar à política externa, às discussões na ONU, às questões de engenharia geográfica e a aspectos diversos dos embates pela descolonização, pela política independente, pelo nosso comércio e desenvolvimento etc . Contudo, foi um momento em nossa história diplomática inesquecível, que nos trouxe, e nos proporciona ainda, dividendos extraordinários junto às autoridades do continente africano. Fomos o primeiro país a estender a mão aos povos vizinhos, que iniciavam a se libertar dos grilhões do colonialismo. E isso não é papo para boi dormir, é coisa séria que se nota até hoje. Todos sabem. O Brasil foi o primeiro. O exemplo moral precursor. Para longehavíamo-nos distanciado das teses de Juracy Magalhães de que o que era bom para as grandes potências coloniais seria bom para o Brasil. Para longe, para infinitamente longe.De mim, em seu livro “Recordações de um Removedor de Mofo no Itamaraty”, editado pela Fundação Alexandre de Gusmão, Ovídio Melo me honrou com as seguintes palavras na página 126: “Passei a ter como colaborador apenas o Terceiro-Secretário Raul de Taunay, que logo que chegou a Luanda comigo ficaria por muitos meses, prestando excelentes serviços”. Citou-me em vários outros trechos factuais que não caberia transcrever.

Hoje, alegra-me notar que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) enxerga no continente africano uma nova fronteira, “um vasto território de oportunidades de negócios e investimentos”. Segundo seu diretor de desenvolvimento industrial, Carlos Eduardo Abijaodi, “o mundo está de olho na África e o Brasil não pode ficar para trás”. Em seminário intitulado “África Negócios”, a realizar-se dia 25 na CNI, empresários, especialistas e estudiosos debaterão as oportunidades e os desafios para o Brasil ampliar mais ainda o comércio e diversificar os investimentos no continente. O próprio FMI, pai da verdade para muitos analistas, prevê crescimento elevado para a África ao longo da próxima década, corroborando teses que venho defendendo e registrando oficialmente em estudos, relatórios e telegramas, desde que chefiei a Divisão da África I (e, em algumas ocasiões, a Divisão da África II). Como Embaixador no Zimbábue, que fui de 2007 a 2011, e ao longo das missões que realizei no Egito, Tunísia, Moçambique e, mais recentemente, nos Camarões, Guiné Equatorial, Líbia, por duas vezes, e Gabão, não foi outra a tecla que toquei, insistente e continuadamente, por um maior envolvimento brasileiro na arena da competição africana. Muitas vezes minha voz ecoou sozinha, em outras ocasiões, fui taxado de sonhador ou esquerdista, por querer priorizar a África – imaginem…Sempre tive certeza de minhas convicções com relação ao nosso papel na África e procurei dar o melhor de mim. Hoje, aqueles que só acreditam no que diz o FMI, ou a CNI, são forçados, pelos fatos atuais a reconhecer que Ovídio Melo, Italo Zappa, Azeredo da Silveira, Afonso Ouro Preto, Antônio José Rezende de Castro, e tantos outros, dentre os quais me incluo, estavam com a razão de lutar por uma política externa africana e que valeu a pena, num momento em que ninguém via ou acreditava no jogo, em dar a cartada certa. E a demos, no momento exato. Cheque mate.

Hoje o Brasil é considerado uma potência irmã, querida e presente em praticamente todas as capitais deste continente riquíssimo, cuja importância aumenta, geométrica e matematicamente, a cada geração. A minha geração ajudou o Brasil a dar os primeiros passos. Vamos esperar que as novas gerações do Itamaraty sejam cada vez mais brasileiras e terminem o trabalho que iniciamos.

(Raul de Taunay, Brasília, 14 de novembro de 2014)

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