Estava ontem trocando ideias pela rede com um amigo de carreira e intelectual da melhor qualidade, e mesmo que nossa conversa ou comentários pudessem prolongar-se ao infinito, ficou-me no meio da garganta, como um nó, a sensação de que, apesar de nossos bons propósitos, éramos no fundo apenas partículas ínfimas da grande cruzada humana, ou travessia, equilibrada na lógica do poder corporativo mundial, que se pretende ser auto preservador, acabou tornando-se auto demolidor. Afinal, somos hoje dependentes de uma imensa e incontrolável rede de corporações e bancos, ou “net”, que controla não apenas as nossas vidas e necessidades, com seus fluxos financeiros, mercantis e culturais. O que pensamos individualmente, dizemos ou idealizamos para a sociedade pouco abala ou desvia a rota dessa gigantesca “força” nem de um milímetro. Ela pode adaptar-se ao nosso paradigma civilizatório e aos nossos requintes individuais – que priorizam a posse de objetos materiais, o acúmulo financeiro e o desfrute mais obcecado de tudo o que pudermos à saciedade – todavia ela permanece firme e invencível, com sua força e prepotência militar, não se altera, e nos leva irremediavelmente ao esgotamento de nosso planeta, nossa velha mãe Gaia, nosso jardim de Éden, que nos sustenta há milênios.
O índio, embora tenha sido esmagado e obrigado a submeter-se à civilização alheia, jamais compreendeu porque o homem branco era tão ruidoso na selva, tão impaciente ao estar só, tão cheio de vontades em seu convívio social, tão agressivo com seus semelhantes e a natureza, tão ambicioso em sua vida, tão destruidor em seu meio ambiente. Destruía o natural para construir o artificial. Em seu universo simples, espiritualizado e em sintonia com os vegetais da mata e com as águas, estarrecia-se com as fórmulas, para ele enganosas, que o homem branco vivia num universo materialista que exigia tantas mercadorias, construções e posses para ser feliz. De nada disso o selvagem precisava.
Desde Russeau, muitos foram os pensadores que nos guiaram através de suas visões de um mundo perfeito, impecável, auto sustentável, debruçado sobre o que imaginavam sejam os melhores meios de gerir a nossa caminhada humana. As filosofias se sucederam e se complementaram, as ideologias amedrontaram e envelheceram, sem que conseguíssemos, verdadeiramente, descobrir uma fórmula ideal e correta para garantir um futuro que preservasse a espécie humana de todo mal. E, na velocidade em que vamos, nem a mais avançada tecnologia tenderá a nos blindar das catástrofes naturais que estamos estimulando na natureza com nosso crescimento irresponsável. Para o pensamento burocrático, isto é o desenvolvimento; para mamãe Gaia, somos uma bactéria, um vírus nocivo, um ebola a provocar reações de morte no organismo.
O tempo das grandes catástrofes, mudanças climáticas, movimentação de mares, crostas, ventos e terremotos parece já haver começado, ou voltado, se considerarmos que a Terra sempre se contorceu para ajustar-se melhor no universo. Nos EUA, as nevadas antecipadas e um frio desproporcional para novembro já castigam as populações indefesas e pasmas. No Brasil e no resto do mundo assustam as tempestadese tubos de vento inéditos, as inundações exageradas, os tsunamis densos e violentos dizimando povoações. Para onde vai o mundo?
Neste ponto, peço a amável contribuição de todos e cada um para definirmos melhor por onde pisar. Será o materialismo incontrolável o caminho mais seguro? Será o planejamento social e da produção? Será que deveríamos voltar às selvas, erigir muralhas em torno aos grandes centros urbanos, como na época medieval, ou continuar a dizimar as florestas e populações com queimadas, guerras e epidemias? Para onde estariam nos levando nossas interpelações mais urgentes?
Acho que de uma forma ou de outra existe um almanaque de grandes nomes da humanidade que, em sua obra, seja ela escrita ou não, pensaram nas esperanças que o homem acalenta para evitar o seu próprio desvigoramento ou extermínio. E se tivéssemos uma conclusão para tantas percepções, talvez fosse a de pouco valeriam hoje muros como o de Berlim, muralhas com a da China, linhas como a Maginot ou escudos de mísseis. O remédio poderia ser bem mais simples, mais pacífico, mais inteligente.Nosso impasse físico, material e moral poderá precisar hoje mais de profetas do que de cientistas e políticos, ou de cientistas políticos. E, de todos, ainda me atenho a Jesus, que é filho de quem criou isto tudo: – Eu sou a luz do mundo; quem me segue, de modo nenhum andará nas trevas, pelo contrário terá a luz da vida.
(Raul de Taunay, Brasília, 20 de novembro de 2014)