Igualdade para o futuro

 

“E é bom ter fôlego para encarar duas questões filosóficas que estão inextricavelmente ligadas: como viver bem e como edificar uma sociedade boa e justa se, naturalmente, todas as pessoas buscam o seu próprio bem antes do bem dos outros; portanto, cabe a nós controlar os instintos, prevenindo o caos, a barbárie, a lei do mais forte; por isso, ao longo dos séculos, com a influência de grandes pensadores, a sociedade foi se estruturando para, justamente, escapar desse conflito interminável de todos contra todos, ou cada um por si e Deus por todos, que não funcionou no passado, não funciona no presente e não funcionará no futuro; pensar que o nosso formigueiro humano pode se desenvolver e se sustentar sem uma espécie de contrato social é como torcer para que a sociedade se desintegre e para que as guerras voltem a dizimar a humanidade – e, não fui apenas eu que pensei nisso, foi Platão, Maquiavel, John Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, dentre tantos outros, que vincularam sempre a legitimidade dos governantes ao consentimento dos cidadãos; todavia, para mim, o clarão do iluminismo francês determinará para sempre a igualdade que precisamos entre os seres e o estado natural perfeito para que os homens sejam inatamente bons; filósofos como Burke, Secondat, Bentham, Mill, Marx e Engels, que sucederam, entre outros, os primeiros, também preveram que os males da humanidade resultam das estruturas sociais que construímos, ou seja, quanto mais perto estivermos de nossa generosa natureza humana, e da natureza terrestre, também generosa, melhor viveremos; e, como Rousseau, penso que a liberdade é a busca do bem estar pessoal sem considerações nocivas aos outros – a vertente filosófica que mais se aproxima do ideário de Jesus de Nazareth, o maior pensador de todos – contudo, infelizmente, tantas vezes em nosso cotidiano, o discurso da igualdade é visto como um atraso e tende a atrair desconfianças ideológicas e ódios inexplicáveis mesmo entre representantes das sociedades religiosas; perseguidos e repudiados, os incompreendidos idealistas se voltam para a natureza generosa da posteridade pois sabem que dela ninguém escapa. E é por ela que deveremos seguir todos nós, ouvindo barulho das chuvas, sentindo nas carnes as torrentes de água caindo pelos condutos das calhas ao redor de nossas casas; os temporais de imensa intensidade e força cercarão nossos cômodos, inundarão nossos pisos, nossos jardins, as vegetações das entradas, além das ruas onde rapidamente se formarão verdadeiros córregos a deslizar por entre os carros estacionados sob as enxurradas; as barulheiras serão ensurdecedoras, acentuadas por trovões constantes que iluminarão as noites, e raios que parecerão faíscas de fogo, cuspirão línguas elétricas pela atmosfera e descerão sobre a terra em sucessivos estrondos; as ventanias, enlouquecidas, sacudirão não apenas as árvores e os toldos, mas os incautos e perversos, como se desejassem arrancá-los de seus lugares, como também sinalizarão ao mundo que poderia estar chegando um momento de desabafo celestial, com a natureza enfurecida como um sistema frontal de ciclone caribenho a nos manter acordados, no meio da noite, assistindo da janela aquele tremendo pé d’água que nos faz temer pela resistência de nossas casas construídas sobre fundações incertas – e se nossas “palhoças” desabarem?”

 

– Trecho de “Nós” (Fragmentos filosóficos de tempos incertos), do escritor Raul de Taunay.

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