“A humanidade é de extremos embora neles não saiba viver. Entre o abismo e o espaço, entre o fundo do poço e o cume da abóbada, entre a brevidade extrema e a prolixidade exagerada, os homens e as mulheres não suportam nem carências nem exageros. E, no fundo, isso é simples de se conceber, pois é natural que, para o ser humano, tanto o frio quanto o calor sejam insuportáveis; estamos sempre intimados a escolher a medida do meio, nem tanto ao mar, nem tanto à terra, nem no deserto nem na geleira, nem o mofado atraso nem a radical vanguarda, e à medida que o tempo passa, nos tornamos ainda mais centrados num meio termo que prioriza a cautela, o bom senso, em detrimento dos solavancos, das aventuras; afinal, a alma humana parece preparada ao seu pleno momento de reavaliação, do que deveria ou não deveria ser – o estrondeado “tobeornottobe“, ou do “ciòcheè vivo e ciòcheè morto“, do que deveria, enfim, verdadeiramente, herdar do balanço geral da vida: os altos e baixos, as angústias e as paixões, as alegrias e as tristezas, o entusiasmo e o desencanto, tudo junto, chocalhado, vascolejado, mexericado, no cambalacho da arrebentação da onda que nos afaga o pé; em ouro, em bronze ou em lata, nossas vidas virarão história, todas elas, sem exclusão, pois não apenas temos significado como temos legado, desde o maior ao menor, desde o mais rico ao mais pobre, desde o mais orgulhoso ao mais humilde. Se nada nos abate ou tudo nos atinge, dá no mesmo; somos imortais, prestes a encalhar nas areias onde renderemos conta de nossos erros e acertos, de nossas bondades e maldades, cada um com sua linguagem, sua educação, seu caráter, estará entre a glória e o ostracismo, entre as trevas e a luz, entre pradeiras e escarpas, como foi nos tempos das cavernas e como será na era das conquistas espaciais – em meio às dimensões extremas, buscaremos sempre o “juste milieu” para a sesta do desvairado universo da mente.”
– Trecho de “Nós” (Fragmentos filosóficos de tempos incertos), do escritor Raul de Taunay.