“No meu caso, e apenas no meu, de tudo que vi e li na vida, e seguindo a minha consciência e a minha avaliação de justiça e liberdade, estimo que o futuro, em termos de formação de sociedade, assistirá ao aperfeiçoamento de uma espécie de socialismo de mercado, capaz de alimentar os bilhões de cidadãos a mais que virão por aí, exigindo direitos, alimentação e lazer. No fim de tudo, acredito, ainda seremos livres, infantis filósofos com a boca além de nossas verdades, decompondo os paradoxos, sofrendo com o mundo para melhorá-lo, e sem saber ainda porque somos e para onde vamos. No transcorrer dos séculos de silêncio e trevas das cavernas aos séculos que virão agitados por alicerces da modernidade virtual, homens e mulheres como nós, em todos os períodos, se depararão com a mesma solene e magna reflexão na manhã do primeiro dia de cada ano: “passou rápido demais”. Assim como passou o mundo de Proust, Sartre, Flaubert, Chateaubriand, Victor Hugo, Balzac, Camus, Zola, Stendhal e tantos outros, cujas vozes nos estremecem ainda de embaraço pois nos transmitem, simultaneamente, o grand monde dos bulevares, jardins, monumentos, operas, teatros, galerias, museus, universidades, e o petit monde de cada um, coalhado de sonhos de grandeza e ilusões sobre um porvir que também virou passado. Todavia, é justo que nós, efebos botocudos, queiramos nos transformar em exímios cidadãos, com ternos bem cortados, gravatas de seda, sapatos impecáveis e vivendo num duplex-cobertura com janelas sobre o mar de Ipanema. È justo que queiramos nos acertar, conhecer pessoas, realizar tarefas, servir causa própria da melhor forma que nos permita lutar contra os preconceitos, pasmar-se de cultura, legar-se ao panteão das artes, sentir-se membro do memorável espetáculo do galanteio, das conversas e caminhadas imaginárias que desenvolvem no espírito sob as profundas formas da sintaxe romântica e intelectual.”
– Trecho de “Nós” (Fragmentos filosóficos de tempos incertos), do escritor Raul de Taunay.