O sol do amanhecer desponta candidamente na alvura do horizonte e projeta raios tímidos de fogo que pincelam em vermelho e dourado as serenas águas do Lago Sul, de onde se erguem os três anéis da ponte JK, que vejo inteira diante de mim. Sem saber exatamente o que poderia escrever, deixo-me cair no sofá e fecho os olhos, tomado por uma inércia incomum e, porque negar, por um total desconhecimento do que, em mim, poderia nascer desta falta absoluta de inspiração. Acostumado, que sempre estive, a estar em atividade, a não perder um só minuto, a procurar ser eficiente e ágil em meus afazeres, sinto-me nesta manhã absolutamente fora de combate ou sintonia, perdido entre as nuvens, que ameaçam chuvas, e o ócio que nunca desejei e contra o qual luto com todas as minhas forças. Todavia, havendo prometido uma crônica a uma querida leitora que me surpreendeu ontem, num bistrô francês da 104 Norte, com elogios aos meus garranchos literários, elevei meu pensamento ao alto e encareci disposição de ferro para conseguir começar algo que, como podem ver, de início, parece deplorável, e cujo final nem saberia dizer ao certo o que se poderá esperar.
No fundo, eu gostaria tanto de garantir-lhe que a vida está boa e que somos felizes, entretanto, não me sinto tão otimista assim com o andar da carruagem global. Por outro lado, poderia dizer-lhe que o mundo caminha na direção de uma paz autossustentável, definitiva, com programas de desenvolvimento para os povos e projetos preservadores dos mares, florestas, geleiras e climas, todavia, lendo o que leio, acompanhando o que acompanho, em fontes profissionais e alternativas à mídia engessada pela inflexibilidade dos grandes interesses, temo que, em vez de um texto leve e repleto de alento e superação, acabe aturdindo-a com os fantasmas de minhas teses e crenças a respeito de nosso futuro incerto.
Todos nós, seguidores da direita ou da esquerda, somos, no fundo, cordeirinhos iludidos. No âmago dos paradigmas e das regras, o buraco é bem mais embaixo, mas não é hoje que vou discorrer sobre isso. Diante deste sol da manhã, que também luta entre as nuvens para clarear o dia, quero enveredar por caminhos mais iluminados e conciliadores, que não encham minha amiga de horror, e sim que a conduzam por entre as forças renovadoras que advém da natureza, de cujos mistérios dependem tanto a marcha dos acontecimentos quanto os destinos da humanidade.
Muitos pensadores, tais como Montaigne, Rousseau, Freud, entre outros, buscaram interpretar nossos sonhos, as tendências de nossa personalidade, as dimensões de nossas boas estrelas ou de nossas encruzilhadas, a nossa dor, a linguagem apaziguadora da natureza, entretanto, poucos se livraram do torpedeamento acadêmico convencional. E, bem poucos deram-se conta de que era a natureza e não o modelo urbano ou intelectual dos homens, que os impregnavam de espiritualidade e clarividência instintiva.
Assim é que, tão querida amiga, para concluir este devaneio em sua homenagem, que começou assim e acabará assado, queria te oferecer coisas inesquecíveis como um clarão universal, uma auréola de luz, um tesouro dos reis, o maior das matas, um desfile de encantos, um caminho certo para as alegrias das almas, as palavras dos melhores Mestres, o sincretismo e a revelação, tudo isso e muito mais, todavia, sendo eu tão limitado neste universo vasto de genialidades, ofereço-te o que tenho: a confiança de que nosso espírito, ainda tão retrógrado e trôpego, saberá outorgar-se a paz que precisa para suprir suas deficiências, carências e necessidades vitais. Isso porque nosso santo Pai, nosso Deus, não morreu, nosso céu não desabou, como temiam os gauleses, e nossas religiões e percepções místicas não estão superadas, como acham os materialistas, assim como a natureza que nos acolhe não está ainda vencida. Saberá renovar-se, tão bem quanto nós, aprisionados a este ego exigente, folgado e frágil. Do profundo da arqueologia do meu ser, te envio, portanto, estes votos de vitória, esta força incansável e estes eflúvios de boa continuação e seguimento. Extraordinária é mesmo esta aventura humana, que nos alcança e nos sacode, e extraordinários somos nós, que a embalamos e moldamos da melhor maneira que conseguimos.
(Raul de Taunay, Brasília, 12 de dezembro de 2014)