De homem à criança

Imagem inspirada na frase de Thomas Hobbes: “O homem é o lobo do homem”

“Todavia, se pensarmos bem, a questão é sempre encontrar respostas para o fato de que somos, cada um de nós, homens e mulheres, nossos principais inimigos, nossos mais temíveis e instintivos beligerantes, em pleno século XXI ainda vemos o forte achar que tem direitos sobre o fraco, ainda assistimos os lobos se camuflarem em cordeirinhos para atacar, invadir e dominar o que não lhes pertence gerando estados de guerra, e a guerra não tem justificativa, é uma aberração, uma abominação irresponsável, uma covardia impiedosa, uma desumanidade infinita, é a falência da inteligência e do espírito universal; enquanto a paz é a conquista difícil, o trabalho, a moral vencedora de pensadores isolados, de diplomatas dedicados, porém, nem todos os que dela participam estão no mesmo pique comportamental, por isso, escrever sobre a felicidade eterna é praticamente impossível; seria mesmo necessário um teólogo de talento, doublé de poeta e místico, habilitado nas mais elevadas esferas da expressão verbal para manter com palavras a luz sem fim nos corações – pois no fundo, a felicidade não é moleza não… entrar pela porta certa requer um certo apetite espiritual, o conhecimento de que o amor mais puro fica desarmado diante do mal, porém pode resisti-lo, e costuma vencê-lo porque requer a consciência de que todo mal, em pensamento, sentimento e obras, existe e deve ser evitado para não destruir seu hospedeiro, porquanto o mal faz um mal imenso a quem o cultiva e, do lado oposto da linha, o bem é salutar, traz saúde, afasta-nos da desventura opressiva; e, naturalmente, a primeira condição para entrar no paraíso é desejá-lo intensamente; o desejo absoluto de encontrá-lo direciona a nossa memória coletiva na direção do progresso pois nos convence que o Jardim de Éden pode existir em vida, dentro de cada um, no mais absoluto conforto da modernidade; todavia, para que o paraíso nos encante, devemos inclinar-nos aos desejos mais profundos que nos guiam através dos tempos: a fecundidade, a perpetuação, a união da relação amorosa, os filhos, netos e bisnetos; a comunhão no amor abre em nós a visão mais solidária do mundo, não um purgatório, mas uma comunhão de alegrias penetrantes que,  no chão da terra, geram prazer e carne para nossos ossos no intuito de se alcançar a incomparável sensação de júbilo que produz a proximidade com o bem supremo, a luz do Criador, tão arrebatadora e intensa que não conseguiríamos tê-la de uma só vez, devendo aproximar-nos dela aos poucos, para não nos asfixiarmos nas graças de suas abundantes delícias; em sua dimensão universal, o paraíso é festa, encantamento, fruto de belezas transcendentes, do mais puro sabor contemplativo, um jardim de delícias, uma visão fraternal, um “baratotal”… perfumado, ao som de músicas celestiais, o banquete dos justos será servido no capricho para quem se interessar, a todas horas, diante de uma natureza inspiradora, onde há abrigo, suíte e camarote para todos e qualquer um, em companhia dos anjos, santos e entes queridos; nos elevaríamos acima dos conhecimentos e discernimentos mundanos para nos sentarmos no teto do mundo em adoração aos desenvolvimentos do espaço supremo, em que continuaríamos a ser crianças felizes e puras.”

 

Trecho de “Nós” (Fragmentos filosóficos de tempos incertos), do escritor Raul de Taunay

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