ARTE POÉTICA

Foto de época, contracapa do livro “Meu Brasil Angolano”, editado pela Record, em 1995

Não será uma incumbência simples levar aos leitores minha coletânea de poemas, tendo em vista estar eu ainda vivo e saudável, e haver eu escrito meus primeiros versos aos 8 anos de idade. Imagino, inclusive, que deverei, em primeiro lugar, encontrar e reconhecer as peças mais figurativas sem me enredar na hesitação de escolher uma antologia de poemas representativa ou qualitativa. Todavia, cuidarei de não incorrer no encalhe de pinçar a minha seleção com a lente crítica, pois pretendo reunir uma seleção que seja sobretudo instintiva, fruto de meu tempo, de meu ânimo, de meus anseios e temas – sem esquecer jamais que a arte poética é, em geral, um conjunto de regras com a finalidade de produzir beleza.

Talvez assim consiga aproximar-me das gerações atuais, que cresceram numa realidade distinta, marcada pela informática e pelas redes sociais, demonstrando-lhes que existe fascínio em alguém de minha geração. E, para tal, nas produções escolhidas, abrirei caminhos para a descoberta do poeta que me tornei: um personagem simples, nascido em Paris, mas brasileiro nato desde o primeiro respiro, que viveu grande parte da vida pelo mundo afora e que escolheu o Brasil para sede de sua recente operosidade. Um poeta que perseguiu na limpidez do estilo a singeleza de uma linguagem que o levou a amar as coisas da vida sem afetação e a afeiçoar-se às criaturas sinceras que conheceu pelo mundo afora; ou melhor, um artesão das formas, um diplomata experimentado na complexidade das relações entre países, um poeta que sonhou muito, e sofreu, e divagou e se perdeu em amores e reencontros com as estâncias e as rimas que tanto o inspiraram.

Assim, o retrato que esta obra tentará deixar de mim quando estiver pronta é do homem independente que sou, de personalidade romântica, distante de modelos e sistemas, cultor desartificioso da liberdade de estilo, do m’enfoutismo lírico que me levou a escrever por impulso poemas, romances, contos, elegias, baladas, trovas, sonetos e outros, tocado pelo desejo indecifrável de partilhar emoções, criar imagens e ritmos, contar segredos e degredos, num ato de devoção aos cantos eternos e universais sustentados no amor, nas alegrias, nas tristezas, na glória de sentir-se um autor.Haverá nesta seleção um universo estranho e belo, anseio eu, evolando o cheiro das flores, o gorjeio dos pássaros, o rumor das folhas, os cascateios da mente, os voos, as angústias, as interrogações e desencantos que integram o feitiço da arte poética. Com a consciência da fugacidade do tempo, esta coletânea oferecerá, se publicada for, a mais autêntica expressão do encadeamento entre o que fui e o que sou no universo da poesia. Há luas em todos os céus.

O meu luar é o inverso de meu nome: a alma de flores, a solitude nebulenta, os sonhos sempre revoltos.Em breve, a minha “arte poética” será editada para comemorar o eco de toda esta vida que consegui compilar. Será como uma concha a guardar pelos ares a voz do mar.

(Raul de Taunay, Brasília, 9 de maio de 2023)

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