“Livros, vídeos e amigos, eis o trio ideal da lucidez; devemos sentir amizade pelas pessoas, pois ela nasce, forma-se, enraíza-se, fortalece-se e tende a jamais se esgotar se a cultivamos com o coração aberto, e, em contra partida, ela nunca caduca, apesar dos anos, das distâncias, das negligências, se for sincera; é uma espécie de predisposição recíproca que nos assegura um lugar estável dentro da humanidade; porém, como as flores, a amizade não deve ser exageradamente irrigada ou cobrada, nem convém sacudi-la com excessos ou pedidos desmedidos, e tampouco deve tornar-se apenas um sorriso insistente ou uma mão constantemente estendida: ela é antes de tudo uma inspiração espiritual que distingue uma pessoa e a torna uma companhia agregadora; Aristóteles dizia que a amizade é uma alma com dois corpos, dizia também que a amizade perfeita só pode existir entre os bons. Quem de nós não tem um amigo que é uma pessoa boníssima, um colega de colégio, de faculdade, de vizinhança, que sempre nos fez dar risadas e cujo companheirismo nunca esmoreceu? Quem de nós não vê em algum amigo o ser boníssimo, justo, idealista, humanista, desinteressado, paciente e, sobretudo, leal a nós? Da garganta do desfiladeiro aos oceanos profundos, das pradarias verdejantes aos picos das cordilheiras, pelo asfalto escuro das urbes ou pelas campinas cheirosas – e pelas mudas vivas da roça ou das torres blindadas –a amizade entre as pessoas é a mudança das estações, a energia incontinente e livre que faz o mundo girar, o sal da terra, o mel das águas, o semeador espontâneo que traz no semblante a grandeza ingênua do engenho que força a vida a se perpetuar.
Amizade e juventude, haverá química mais perfeita? Sim, porque a juventude é um adágio, o egocentrismo infinito cheio de cores e ambições, a perfeição estrepada entre as imposições da sociedade, a rebeldia que acaba se moldando, se transformando; é no fundo uma forma vibrante de tiques e travessuras, um cortejo de desejos e de envergaduras, o símbolo delicioso de verões exaltados, de amores espumosos; quem é jovem tem o beijo suculento, o abraço sufocante, o labirinto virulento, o olhar que dizima e que se oferece ao vento; ele carrega a medida perfeita das qualidades fatais: a intensidade, a fecundidade, a imensidade desprendida e a liberdade; de seu espírito generoso emergem a grandiosidade do universo, o desfrute, a exaltação, a provocação da beleza que nos abala e enfeitiça pois, sendo a justa medida, o seu espírito é feito de veemência, justiça e pureza – pois puros são, uma vez que acabaram de ser crianças – assim como seus corpos respiram o estilhaçar das paixões descabidas, a celeridade dos pecados –pois endiabrados são também; eles se surpreendem consigo próprios, com o surgimento dos pelos e das ânsias, com a evolução movente que os transformaram em música intensa, em sofrimento sonoro, em um curioso que olha os próprios dentes.”
– Trecho de “Nós” (Fragmentos filosóficos de tempos incertos), do escritor Raul de Taunay.