O grande tesouro


“Dizem que uma verdadeira sereia teria sido encontrada em TelukPahang, na Malásia, assim como contam que os dragões brancos Komodos foram aprisionados e mortos por arpões de pescadores locais; narram até que na floresta tropical de Chewong, os nativos daquele país, antes de verem o mundo ser inundado pelo dilúvio das águas, foram prevenidos com antecedência, como Noé, pelo Deus criador local, Tohan, conseguindo se salvar para construir um novo mundo, tantas são as lendas que por ali revelam que o mundo em que vivemos – lá chamado de Terra Sete – vira sempre de cabeça para baixo e é inundado com frequência por dilúvios necessários para limpar a crosta terrestre, moldar montanhas, vales e planícies e instaurar a luta entre animais e homens pela sobrevivência; novas sementes acabavam sendo plantadas com o objetivo de dar vida aos sobreviventes e aos seus recém-nascidos, o que, no fundo, demonstra que a natureza é uma misteriosa e implacável “dona de casa”, e que os dilúvios são faxinas necessárias para limpar as lambanças promovidas pelas sociedades no planeta. Entre lendas e mitos, o grande tesouro é sempre a raça humana, proveniente de rincões tão distantes quanto as Arábias, a Índia, a China e mesmo a Europa, com seus viajantes portugueses, franceses, holandeses e ingleses, que chegaram um dia no Brasil trazendo o sorriso fácil, o convívio forçado, os tons escurecidos de seus preconceitos e crenças,  puxando gatilhos e impondo a sua lei, a sua filosofia, o seu senso de caridade e de exploração, a sua indiferença ao respeito pela diferença. Séculos de horrendas matanças resultantes do encontro de civilizações fizeram tremer os alicerces filosóficos e humanitários de nossas bases civilizatórias com violência e ódio detestáveis que se acumularam de forma perigosíssima, comprovando que a falta de justiça, de critérios e de espiritualidade poderão afundar a contemporaneidade no lodo da insegurança; e poderá ser mesmo assim que a vida moderna caminhará, como fez a vida antiga, como sempre o mundo caminhou, em estado de beligerância; todavia, não é dessa forma que almejamos nosso futuro; nós desejamos um mundo sem matanças, sem explosões ou bombardeios, sem invasões e sem armamento químico ou nuclear, sem a detonação final que acabe de vez com a nossa raça e as resistências de nosso exaurido planeta; desejamos acabar com esta Segunda Guerra Mundial que nunca terminou, da mesma forma que queremos acreditar que as potências beligerantes se convencerão um dia da necessidade de um diálogo mais plural visando o convívio pacífico e a governabilidade entre os blocos geográficos, assegurando a respiração dos povos num planeta justo e saudável.”

 

– Trecho de “Nós” (Fragmentos filosóficos de tempos incertos), do escritor Raul de Taunay.

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