Sou feliz sem motivo. Nestes tempos de tanta vilania nas palavras e nos atos, tenho até constrangimento em dizer que, apesar das dificuldades que nos cercam, sinto-me bem, venturoso, pois consigo conviver com os nervos das mulheres e as bravatas dos homens. A vida é por demais maravilhosa, e preciosa, se não tivermos medo dela, e se não cultivarmos, como espinhos na própria carne, preconceitos de raça, credo e origem. Do pó viemos, ao pó voltaremos todos, sem exceções. Não há caminho blindado na vida. Em algum momento seremos todos chamados a nos defender dos ataques da injustiça, do rancor, da inveja, da bandidagem, da desesperança. Não existem arautos mais prodigiosos de defesa do que a compreensão, a humildade, o amor ao próximo.
O orgulho é um demônio que faz um mal que não se imagina porque ele massacra a alegria natural e espontânea que nasceu de nossa humanidade. É natural ser alegre, mas o orgulho dizima essa alegria com suas bombas de profundidade: o menosprezo, o desdém, o escárnio; bombas que acabam explodindo na própria mente de quem as têm, causando danos imensos nas perspectivas de felicidade dos seus portadores.
Normalmente, tendemos a sofrer tanto com o pouco que nos falta, quando poderíamos ser tão melhores e felizes com o muito que recebemos, pois a alegria não deveria depender dos outros e sim de cada um. Sei o que digo pois, numa fase de minha vida padeci terrivelmente a injustiça, a intriga, a mentira em todos os seus sentidos, e sobrevivi. Ressuscitei com o apoio de quem mesmo nem conhecia a partir do momento em que renunciei às superficialidades de minha personalidade imperfeita. Restou-me a alegria, possivelmente de outras vidas, que sempre carreguei bem dentro de mim e que, espontâneamente, sempre me fez estimar o próximo, sem exigir retribuições. Afinal, Deus nunca perturba nossa caminhada a não ser para nos oferecer um melhor caminho para a redenção. Ele sabe o que faz, embora não consigamos compreender seus motivos ou tenhamos dificuldades a nos ajustar pelas novas trilhas que ele abre.
No fundo, é como dizia Alexandre Dumas plagiando, com suas palavras de romancista, o ensinamento de Jesus: ” o mais feliz dos felizes é aquele que faz os outros felizes”. Gandhi também acertou ao explicar que não existe um caminho para a felicidade, sendo o próprio caminho a felicidade. E isso é, talvez, o que dificulta esta carreira diplomática que abracei. A felicidade está sempre no futuro. É o futuro quadro de acesso, a futura promocão, o futuro posto, o futuro governo, os futuros pistolões, a futura tese, a futura sabatina…Vivemos focalizando o futuro, vivendo para uma felicidade futura, sem conceder ao presente o seu legítimo papel.
Talvez eu esteja aqui a falar a linguagem dos tolos, porém, faço-o por dois motivos. Primeiro, porque não aguardo mais nada de nada, a não ser o carinho dos que me conhecem e ouvem. Segundo, porque me livrei do mórbido pensamento e palavreado dos que ainda se julgam os tais. Não existem os “tais”, pois eles também despertarão um dia sendo os “inhos”, e serão bem mais felizes com isso, acreditem. Afinal, o cheirinho de banho tomado não dura para sempre … e isso é bom.
Chaplin é que tinha razão ao dizer que a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Sejamos felizes, com ou sem ensaios.
Bom domingo gente boa…
(Raul de Taunay, Brasília, 25 de janeiro de 2015)