O Teste

Apareceu um teste no facebook sobre quantos anos eu ainda teria de vida. O texto prevenia que era melhor pensar bem antes de fazer o teste para estar preparado a aguentar as respostas sem sobressaltos e que, se o fizesse, procurasse dar respostas corretas e verdadeiras.

Tomei coragem, respirei fundo e fui respondendo, escolhendo com sinceridade a opção que me parecia mais aproximada aos meus hábitos e crenças. Resultado: ainda viveria 44 anos e alguns dias. Engasguei sem saber se seria de exultação ou de enfado. 44 anos ainda? Puxa, sei que os salmos dizem que o Justo florescerá como a palmeira na plentude da força por longo tempo, mas em que raio de palmeira longevola o Face me transformou, se nem Justo sei se sou, verdadeiramente? O que sei é que dentro de 5 anos serei obrigado a me aposentar e que, segundo este prognóstico, ainda terei…39 anos, repito, 39 anos, para me aturar e ser aturado. Valham-me os Santos… virarei relíquia, com enfermeira e cercado de bisnetos, ou abandonado num abrigo de anciãos. E põe ancião nisso…

Segundo a ordem de Melquisedeque, somos sacerdotes para sempre pois “aquele que suporta a tentação receberá a coroa da vida”. Ora, jamais fui muito bom em resistir às tentações, o que deveria me valer no máximo a coroa de uma morte não prematura; entretanto, deixar-me viver ainda 44 anos poderia significar duas coisas: ou tenho muito ainda a me depurar neste plano terrestre como pessoa ou os Céus não querem saber de mim tão cedo por lá.

Confesso que mais feliz me sentiria se fosse um desses materialistas que pensa que a vida do corpo carnal é tudo e que, com a morte, deixaria de existir, tornando-me um nada. Nessas condições, a perspectiva de esticar meu tempo com tantos anos a mais, para saborear os prazerosos momentos consumistas de nossa sociedade abastecida, seria realmente uma dádiva. Ocorre, porém, que compreendi há tempos que sou apenas mais um filho de Deus e que, como tal, ganhei a consciência de que estamos aqui de passagem – o que me leva a inquirir se precisaria que minha passagem tivesse que ser tão lenta e demorada. Afinal, viver ainda 44 anos significaria, no meu caso, me reinventar mais algumas vezes, ou seja, me redescobrir como profissional em fim de carreira, depois como aposentado, em seguida me reinventar como escritor, pintor, carpinteiro, limpador de calha, ou seja lá o que me der vontade de fazer, e assim sucessivamente até me re-reinventar novamente em tudo o que disse acima, menos algumas coisas, pois já teria entrado numa fase bem mais cansada e sem desejos. Terminaria, como a maioria dos longévolos, sem mais forças nas pernas, numa cadeira de rodas, com vontade de fazer nada, ou pior, sem ter noção de querer fazer ou não qualquer ato a não ser sujar as fraldas ou me ferir com as agulhas dos tubos enfiados em mim. Finalmente, num ato conclusivo antes de baixarem as cortinas, me tornaria, um pé no saco, difícil de aturar, pelos que ainda se sentiriam no dever de me assistir. Em outras palavras, se o prognóstico do Face se cumprir, acabarei virando uma tamargueira do deserto a viver na esterilidade. Será que é isso que eu quero?

Minha mãe sempre me recomendou que, quando me sentisse impotente para resolver alguma situação, não me desesperasse, conversasse com Jesus, orando, pois a conversa com o Divino Amigo seria sempre confortadora e, no mais das vezes, mobilizaria o tempo a se encarregar de resolver os problemas. Pois, então, se ter 44 anos para viver ainda é um problema, oremos uma vez que tempo, muito tempo, quase meio século, é o que não me faltará para assentar as coisas direitinho, consumando, oportunamente, no meu caso, a aguardada abertura das portas do céu para este sortudo. Aleluia…

(Raul de Taunay, Brasilia, 8 de dezembro de 2014)

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