Há momentos no convívio da rede em que lamentamos um comentário feito, mal interpretado por alguém, ou a retaliação exagerada que dele decorre, contendo julgamentos injustos e levianos sobre você por amizades que pouco te conhecem. Em verdade, cada um tem a sua verdade, a sua visão de mundo. A minha, como não poderia deixar de ser por ter partilhado a vida inteira, desde a mais terna infância, os bancos de escolas e universidades com seres de vários países e continentes, é a visão de um mundo mais compreensivo e universal, com um ideário político menos atado às engrenagens da força bruta e das hegemonias. Poderia descrever-me, com toda humildade, como um independente de centro, se é que isso existe. E, mesmo não existindo, é todavia justificável pois meu pai era de direita, meu avô de esquerda, meus tios, de direita e de esquerda, debatiam sempre num enriquecedor intercâmbio de idéias que só fazia ampliar minha necessidade de refugiar-me no centro, pois sempre fui de boa paz, embora não fuja da luta se ela vier até a mim.
De tudo, são os franceses que tem sempre razão ao dizerem: “não há como a verdade para ferir”. E quais seriam as verdades que ofendem tanto aqueles que me julgam tão levianamente? Que vários de nossos melhores cérebros, influenciados por um lado ou por outro, emitem juízos de valor sobre regiões, países ou governantes sem lançar um olhar crítico sobre o que realmente estão defendendo?
Eu acho que, no meu centrismo conciliador, tenho me sentido bastante realizado, feliz e bem resolvido. Seja qual for a avaliação dos eventuais e augustos pretorianos sobre mim, defendo um mundo sem impérios ou hegemonias, sejam elas ocidentais, asiáticas ou galácticas. Escrevo, mesmo que ninguém leia, por um convívio internacional sem provocações, ingerências, espionagens, sanções, imposições, guerras, bombardeios, matanças ou colonialismos, que geram as “vinganças” terroristas que hoje tanto nos preocupam.
O colonialismo ainda existe e é implacável, além de abjeto, desprezível e ignóbil. Talvez por ter vivido em tantos países africanos, por ter testemunhado duas guerras e visto, ao vivo, os efeitos cruéis do neo-colonialismo sobre as populações, seja eu tão veemente ao criticar a ganância e a prepotência dos que se julgam no direito de dominar os outros. Em verdade, sou o macaco que olhou o próprio rabo, e que, diante dos exageros dos impérios e da miopia dos grandes, ficou com a alma lacerada, porém mais clara e estremosa. Estremeço ao recordar o diplomata de meia idade que fui, cheio de verdades, vontades, julgamentos e prepotências. Hoje, como diriam os filósofos anglo-americanos, “I am too old for this shit”. Sou apenas uma areia fora da engrenagem, um amigo que não busca impor nada a ninguém, e que se o fez, em algum momento, não desejava ofender e sim participar com sua palavra de boa-fé. Enfim, sou mais um macaco de minha geração que encontrou clareza e sossego ao descobrir o próprio rabo.
(Raul de Taunay, 13 de novembro de 2014)