Fiquei agradavelmente surpreso com as reações e comentários que recebi de familiares e amigos pelo último texto em que revelei fase musical de minha vida, e postei uma poesia sobre a MPB, que escrevi depois de haver conhecido Tibério Gaspar no Jardim Botânico, numa época em que já pensava em preparar para o concurso da carreira diplomática. Sempre pensei que não seria pecado lapidar minhas inclinações musicais e literárias estando inserido na estrutura piramidal da carreira de Rio Branco. Uma coisa não anularia a outra, para mim, por vários motivos, dentre os quais particularizo dois: a vontade que tinha de fazer o que amava (ler, escrever, tocar violão), sem culpas ou arrependimentos, e a noção de que, dentre as linhas de força da ação internacional do Brasil, outros diplomatas, de grande valor e talento, deixaram suas marcas nas relações exteriores, abrindo para elas horizontes novos de representação, através de suas atuações nas áreas da literatura, da música, do canto, da pintura, dos ensaios e estudos, da filosofia e crítica, da história e da incorporação de sentimentos e percepções novas, mais modernas e edificantes, ao ordenamento justo e equitativo que todos almejamos para um mundo de paz – objetivo primordial do diplomata.
Naturalmente, é difícil declinar o nome de todos esses expoentes posto que, então, faltaria espaço para meter o resto do que gostaria de dizer, entretanto, por dever de ofício, vários exemplos me saltam à memória, de imediato, tais como Vinícius de Moraes, com quem sentei no Café Flore de Paris num encontro inesquecível para mim (e que foi objeto de postagem antiga), o velho Raimundo Correia, os grandes João Cabral de Melo Neto, João Guimarães Rosa, Alberto da Costa e Silva, autor de obras primas sobre a África, Affonso Arinos de Melo Franco Filho, Chico Alvim, Sérgio Paulo Rouanet, Geraldo Holanda Cavalcante, e dentre os mais novos, meus contemporâneos Antenor Bogea, pianista, cantor e compositor, Márcio Catunda, jovem poeta com quem trabalhei, João Almino de Souza Filho, estudioso, escritor, meu colega de turma, medalha do Rio Branco no IRBr, e a poetisa Maria Lucia Verdi – apesar de não ser diplomata, é funcionária de primeira linha do Itamaraty – sem nos esquecermos de dois vultos grandiosos de nosso continente: Octávio Paz e Pablo Neruda, eles também diplomatas como todos os demais mencionados anteriormente. E me perdoem se me esqueci de alguém; a cabeça não é mais do adolescente que conseguia decorar tiradas inteiras de Shakespeare ou Pierre Corneille, sem titubear, como costumava fazer no teatrinho das escolas francesas que aguentei pelo mundo afora desde menino.
Contudo, qual não foi a minha surpresa ao ser alertado, por um amigo, de que num site de imagens de diplomatas, poetas e cantores na internet, em que figuram alguns desses nomes mencionados, figura o meu nome também, em fotos e textos, a partir dos livros de minha autoria “Rosas da Infância ou da Estrela” e “Meu Brasil Angolano”, este último baseado nos tempos em que testemunhei, em Luanda, a guerra de independência daquele país e a posterior guerra civil, que também assisti, em missão transitória, e que marcou profundamente a minha vida e a minha forma de encarar com a mais estrita seriedade as violências das guerras e tentar reduzi-las. Nesses tempos, tive a honra de trabalhar com as figuras notáveis de Ovídio de Andrade Melo, Dário Moreira de Castro Alves, Paulo de Tarso Flecha de Lima, Marco Cesar Meira Naslauski, Stelio Marcos Amarante, Sérgio da Veiga Watson, Eduardo Prisco Paraíso Ramos, Ítalo Zappa, Afonso Ouro Preto, Rui Pinheiro de Vasconcelos. Foram os anos de chumbo, mas que graças ao trabalho abnegado de nossos diplomatas, converteram-se em anos de expansão da presença política e comercial brasileira no continente africano. Eu, e todos eles, marchávamos sob a regência corajosa, pragmática e responsável dos maestros Antônio Francisco Azeredo da Silveira e Ramiro Saraiva Guerreiro. E foi assim, dessa forma, que, inesperadamente, a lógica da internet e das redes sociais me elevou a partilhar o mesmo espaço com expoentes da música, da poesia, do romance, mesmo sem haver eu conquistado nenhum prêmio literário e ainda com 4 livros para publicar (2 romances: “Milagres” e “Praga de Amores”; e dois livros de versos “Poemas” e “Andarilho de Malabo”).
Todavia, restam-me a lembrança dos momentos em que cantei pelo mundo afora, representando o “gogó” brasileiro, e a memória do dia em que fui distinguido com a Medalha João Ribeiro, da Academia Brasileira de Letras, que ostento com imensa gratidão, vinda de quem veio, por recomendação de meu amigo e imenso poeta da língua brasileira, Carlos Nejar, aceita por unanimidade pelos imortais daquela instituição. Sendo eu bisneto de um dos membros fundadores da ABL, sinto-me por demais reconhecido pelo o gesto generoso de tal honraria.
De tudo, portanto, direi para concluir que, ao longo de minha carreira, escrevi memorandos, telegramas, relatórios e análises políticas, mas também toquei, cantei, recitei, sob o céu do Norte e sob o céu do Sul. Vivi e convivi com a opulência e a carestia, estive em guerras e crises (Angola, Zimbábue, Líbia) e vi seus efeitos devastadores, e assisti aos duelos de inteligências em debates diplomáticos apaixonantes, os quais pareciam embates vorazes pela defesa dos interesses de nosso Brasil. E do que fiz e ouvi, algo em mim ficou gravado para sempre, e não saiu do Itamaraty, e sim da inspiração de Gonzaguinha, um filho abandonado que soube perdoar o velho pai:
“eu fico com a pureza das respostas das crianças, é bonita, é bonita e é bonita; viver e não tenha a vergonha de ser feliz, cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz”.
Por isso, gostaria de agradecer aos que conseguiram ler esta postagem até o final, por sua amizade e fidelidade. Até um desses dias, quem sabe, na esperança de que uma nova estrela passe diante de nós e nos faça felizes de novo; na esperança de encontrar ao vivo alguns dos tantos amigos que nunca vejo e que estimo de verdade – cada um com o gênio de cada um, com o talento de cada um, com a verdade de cada um. E que Deus nos proteja a todos…
Abaixo, retiradas do baú, mostro alguns momentos em que “mandei ver”, em terras distantes, mostrando lá fora o que é bom de se ouvir aqui dentro, Saravá…
(Raul de Taunay, Brasília, 3 de outubro de 2014)